quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

CORES E SENTIMENTOS


                                   PARÁBOLA

Fernando Pessoa, em carta a Casais Monteiro, disse que a
poesia é o "sorriso das letras".
Por sua vez, Goethe escreveu, numa parábola, que os
"poemas são como cristais pintados".
Que bom podermos entrar num poema e sentir
a alegria das palavras e o esplendor das cores!

                            Abel da Cunha


                      PARÁBOLA

Poemas são como vitrais pintados!
Se olharmos da praça para a igreja,
Tudo é escuro e sombrio;
E é assim que o Senhor Burguês os vê.
Ficará agastado? - Que lhe preste!...
E agastado fique toda a vida!

Mas - vamos! - vinde vós cá para dentro,
Saudai a sagrada capela!
De repente tudo é claro de cores:
Súbito brilham histórias e ornatos;
Sente-se um presságio neste esplendor nobre;
Isto, sim, que é pra vós, filhos de Deus!
Edificai-vos, regalai os olhos!

J. W. GOETHE (1749-1832)
Versão portuguesa de Paulo Quintela

domingo, 13 de novembro de 2011

ACRÓSTICO


Luiz de Camoes - Príncipe dos poetas Lusos

ACRÓSTICO

Composição em estilo poético que é disposta de maneira que as letras iniciais de cada verso, colocadas na vertical, formem um nome, um ideia ou uma frase. Também é comum o aparecimento desta verticalidade, quer no fim ou, mais usual, no meio dos próprios versos, forma apelidada de mesóstico.
Foi praticado desde os tempos mais remotos da Antiguidade tanto por escritores Gregos como Latinos e durante a Idade Média pelos clérigos das Catedrais. O uso dos acrósticos atingiu tal euforia durante o período Barroco que chegou a ser considerada uma forma degenerativa da arte poética. Hoje em dia é fácil encontrar ainda o acróstico disseminado em livros, jornais, revistas e puzzles letrais, por vezes apenas com o objectivo de chamar a atenção para qualquer mera circunstância depreciativa ou então, mais raramente, com o intuito de sublinhar um alto valor artístico, estratégia apenas ao alcance dos eleitos.
Genericamente considera-se que o acróstico pode englobar três funções: a) a procura de um virtuosismo próprio das lides poéticas; b) o vincar de um carácter lúdico que designa todo um jogo de sofisticação literária; c) a procura de uma certa atracção e gosto pela magia e secretismo.
Em  Portugal, nomeadamente no século XVI, esteve esta forma poética muito em voga seguindo, de resto, a tendência europeia maneirista. Ficou célebre o famoso acróstico do soneto de Camões “Vencido está de amor meu pensamento”.

                       Vencido está de amor meu pensamento,
                       O mais que pode ser vencida a vida,
                       Sujeita a vos servir e instituída,
                       Oferecendo tudo a vosso intento.
                          
                       Contente deste bem, louva o momento
                       Ou hora em que se viu tão bem perdida;
                       Mil vezes desejando a tal ferida,
                       Outra vez renovar seu perdimento.

                       Com esta pretensão está segura
                       A causa que me guia nesta empresa.
                       Tão sobrenatural, honrosa e alta,
                       Jurando não seguir outra ventura,
                       Votando só para vós rara firmeza,
                       Ou ser no vosso amor achado em falta.


                                 Luis Vaz de Camoes,
         Lírica, Soneto CCIX

*
  
TEU NOME - MINHA GUERRA

N os cinco cantos da Terra
o teu NOME eu cantarei
esta será a minha guerra
que, podes crer, vencerei.

E m qualquer parte onde for
toda a tristeza s’ encerra
meu prazer será maior
nos cinco cantos da Terra.

L evo comigo meu sonho
pois assim feliz serei
mas para isso, proponho,
o teu nome eu cantarei.

I mporta ter emoção
e grande amor, quem me dera,
ter-te no meu coração
esta será a minha guerra.

M usa minha, com verdade,
à Natureza honrarei
venham todos com fealdade
que, podes crer, vencerei! 


Frassino Machado
In O RENASCER DA AURORA

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

HORAS BREVES


        Camões e Bernardes e … nós próprios! Quantas semelhanças, analogias, paralelismos e contradições, nestes humanos “mundos” e tão naturais! Vidas tão diferentes e tão iguais: rios tão disparos, com a mesma água, as mesmas margens e tão estranhas pontes; sonhos que o vento leva, insónias e emoções, q. b. , genes dos mesmos versos, cinzelados na esfera do Universo. Quantos arroubos, quantas lágrimas e dores, quantas aventuras inacabadas, quantos degredos passados… mas a Obra ficou, fica e sempre ficará, que o tempo que a gera assim o determina! Frassino Machado

Desterro Camoneano, junto ao Tejo 
“Horas breves de meu contentamento”
Bernardes ou Camões assim disseram.
Horas longas de longo sofrimento
quantas mais certamente que tiveram.

                      Bernardes, só de olhar o Lima em flor,
                      as lágrimas com água misturava;
                      Camões rimava amor com outra dor
                      que o Tejo ao passar sempre deixava.

                                              Algumas horas tenho descontente
                                              ouvindo apenas cânticos de vento
                                              na lira pendurada nos salgueiros.

                                                                  Da margem vejo a água na corrente
                                                                  mas não detenho nela o pensamento
                                                                  pois sei que dor e amor são passageiros.


                                             Abel da Cunha

terça-feira, 1 de novembro de 2011


Sá de Miranda  ( 1481- 1558 )

A ESTÉTICA DO SONETO

Origem histórica do Soneto em Portugal,
no âmbito de uma homenagem ao poeta

Francisco Sá de Miranda, nascido na cidade do Mondego tudo aponta que no ano de 1481 – sete anos antes de Bartolomeu Dias dobrar o Cabo das Tormentas – cursou Humanidades na Universidade de Lisboa, a mesma que mais tarde seria mudada para Coimbra e cedo iniciou a sua vida cortesã, tornando-se um dos mais novos animadores das Tertúlias do Reino, fazendo companhia a Bernardim Ribeiro, a Garcia de Resende e ao grande Gil Vicente.
Foi a partir de 1521 – ano do término da 1ª Viagem de Circum-navegação e ainda no reinado de Dom Manuel I – que tudo mudou na sua vida quando, por sugestão do próprio Rei, beneficiou da situação de bolseiro, em Itália.
Após a sua chegada a Itália, influenciado pela «Revolução nas Artes da Renascença» , iniciou também ele uma profunda renovação literária tomando conhecimento com as novas formas poéticas então em voga. Imperava naquela época o dolce stil nuovo, dentro do qual sobressaía um novo “metro” para poetar e novas formas estéticas de poemática. Passa a conhecer os versos decassilábicos (modelo italiano), as oitavas, os tercetos perfeitos, as elegias, as canções, as éclogas, as cartas poéticas e, principalmente, o grande ex-libris dos principais poetas: o Soneto. Para ele todo este acervo literário eram inovações. A todas estas formas poéticas vai ele mais tarde, já em Portugal, denominar como “versos de medida nova”, isto é, formas poéticas diferenciadas das que constavam no já ultrapassado Cancioneiro Geral.
Durante cerca de seis anos conviveu por toda a Itália com poetas como: Bembo, Sannazzaro, Sadoleto, Ariosto e Vitória Colonna. De regresso a Portugal terá conhecido Garcilaso e Boscán com os quais ficou correspondendo-se com frequência. Já em Portugal divulgou então as suas grandes novidades, nomeadamente o Soneto, com destaque para os da autoria do famoso Francesco Petrarca a quem ele prestava os maiores louvores e, claro, os seus próprios.
Foi muito admirado por essa sua atitude, sendo seguido muito de perto principalmente por: Pedro de Andrade Caminha, Diogo Bernardes, Jorge de Montemor, Luis de Camões, claro, e António Ferreira. Foi dele que este último escreveu um dia:

“Novo mundo, bom Sá, nos foste abrindo
com tua vida e com teu doce canto”.

Ora este doce canto era nada mais nada menos que a nova moda do SONETO.

            Frassino Machado
In ENSAIOS 

domingo, 30 de outubro de 2011

O POETINHA DE ITARARÉ

Silas Leite - O Poetinha de Itararé


Sucinta biografia do poeta Silas Correa Leite

Silas Correa Leite, Itararé-SP

Teórico da Educação, Jornalista Comunitário, Conselheiro em Direitos Humanos (SP).

Blogues: http://www.portas-lapsos.zip.net/ ou http://www.campodetrigocomcorvos.zip.net/

E-mail: poesilas@terra.com.br

TRÊS POEMAS

 PROCESSO
                      Eu estou sendo processado
                      Por dizer que um corrupto e ladrão é corrupto e ladrão
                      E o ladrão pode ganhar a causa

                      Eu estou sendo processado
                      Mas ele pode ser ladrão de quadrilhas e máfias liberais
                      Mas alguém dizer que ele é não

                      Eu estou sendo processado
                      Por dizer explicitamente o que jamais poderia ser dito
                      A justiça viça essa aberração

                      Eu estou sendo processado
                      Devia acreditar que ser ladrão pode e dizer que é não
                      Mas eis a triste interpretação

                      ...............................................

                      O poeta inocente condenado
                      O ladrão confiando no “status de sítio” da justiça
                      E ainda com sentença de impunidade transitado em julgado.


                                  C O I S A S

                  As coisas existem antes de nós
                  Apenas as continuamos
                  Ou não
                  O poeta mesmo com sua irrazão
                  É elo de continuação

                  As coisas sobrevivem depois de nós
                 -Além da razão -
                  As poesias mesmo
                  São eternas como centeio, trigo, aveia
                  Grãos

                  As coisas existem dentro de nós
                  Antes mesmo da concepção
                  Poemas nada mais são
                  Que íntimos aleijados
                  Querendo ser purificados
                  Nos escombros da perpetuação.

                                 M U L H E R

                  Você não sabe o que é
                  Dormir no escuro
                  O rastejar do verme
                  No monturo
                  E a mulher grávida mentindo
                  Dizendo : - Eu juro !

                  Você não sabe o que é
                  Dormir no claro
                  O respirar do objeto
                  No íntimo faro
                  E a mulher tossindo verde
                  Dizendo : - É ácaro !

                  Você não sabe o que é
                  Dormir sentindo
                  O controlar do medo
                  De morrer dormindo
                  E a Mulher - Noite sorrindo
                  Dizendo : - Benvindo !

                                            Silas Correa Leite
                                                      
                                                             *  
QUANDO EU MORRER

Quando eu morrer, se quiserem saber da minha vida
Digam que ao escrever poemas eu regurgitei
Tudo o que de ruim e doloroso recebi de heraa ao nascer.
O dia em que nasci foi o de deixar um outro mundo
E concebido nove meses antes de habitaa terra
Com a pior poluição do planeta, os chamados seres humanos.

Quando eu morrer, leiam meus poemas e me esqueçam
Eu fui muito mais o que escrevi do que eu mesmo
Cada lágrima, vagido, horror ou neura deixei em palavras
Minha mãe foi a solidão e meu pai foi um acordeom vermelho
A vida é só tristeza e eu nunca me coube direito em mim
Escrever foi a homeopatia que me salvou de ser hu mano.

Se eu quisesse a lua certamente me dariam o inferno
Se eu sonhasse castanhaassadas me dariam cianureto
Nas humilhações fui enfezado e isso mexeu com meus motores.
Capturei imagens, fugi no letral, habitei o mundo-sombra
Despossuí-me de mim para ser o sentidor, o louco varrido
A vida não me deu limões mas fiz limonadas de lágrimas.

Hoje eu olho tudo o que sou e tudo o que tenho como fruto
De mágoas, ojerizas, lamentos e decomposições do Eu de mim
E tenho medo, muito medo; um quase humano insatisfeito
Com meu destino trágico, as portas sensoriais abertas, e ainda
Os fantasmas que me nutriram e que se alimentam do meu ódio
E me parecendo com algum humano fujo dos cacos de espelhos.

Silas Correa Leite

QUENTES E BOAS ?

O vendedor de castanhas

                                                   Rua acima égua elegante
                                      puxa uma carroça airosa
                                      e no meio bem fumosa
                                      uma assadora gigante.

                                                             Dentro dela perfumadas,
                                                             bem quentes e estaladiças,
                                                             saltitando movediças
                                                             castanhas enfeitiçadas.

                                        É dia de São Martinho
                                        um domingo soalheiro
                                        cada um com ar ligeiro
                                        comia-as com bom vinho.

                                                              O vendedor Cinquentão
                                                              não tinha mãos a medir
                                                              eram tantos p' ra servir
                                                              como manda a tradição.

                                      - Venham cá, os de Lisboa,
                                         minhas castanhas comer
                                         e sempre qu' eu as tiver
                                         hão-de ser quentes e boas!

                                                            - Meu vinho bebam também,
                                                              que manda estalo com fé,
                                                              se acabar há água-pé
                                                              que é fresca e sabe bem.

                                         Um fim de tarde sem sol
                                         p' la Baixa da Capital
                                         houve bagunça e
                                         sem cabeça nem farol.

                                                               Já nem castanhas havia
                                                                que a polícia à castanhada
                                                                pôs todos em debandada
                                                                que até o Santo se ria.

                                         Houve quem visse d' Arcada
                                         toda a gente em pandemónio
                                         lá em cima o Santo António
                                         esse não deu por nada...

                                                                 E o que podia ser festa
                                                                 p' ra contentar o povão
                                                                 atirou com tudo ao chão
                                                                 e da alma nada resta !


                                                                 Frassino Machado
                                                                 In MUSA VIAJANTE

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

CENAS BÍBLICAS

Moisés apresenta as Tábuas da Lei
                                               I   REVOLTA

                   No cimo da montanha ardia a sarça             
                   e as nuvens prosseguiam cor de fogo
                   desenhando setas a mostrar ao povo
                   que só um deus o seu destino marca.

                   Deu-lhes Moisés as tábuas contra o ouro
                   moldado no bezerro da desgraça.
                -  O céu é longe! A gente vai com pressa
                   de achar uma outra lei num pais novo.

                   Então Moisés quebrou no chão as tábuas.
                   Por trás o mar vermelho tinha as águas
                   fechando o desespero e o deserto.

                   Meteram numa Arca a Lei partida
                   entrando assim na terra prometida
                   que o leite e o mel jorravam muito perto.
   

                                    II   LAPIDAÇÃO

                   O Mestre escrevia a sentença
                   na terra com palavras de clemência
                   diante da mulher já condenada.

                   O povo tinha as mãos cheias de pedras
                   os olhos cegos de profundas trevas
                   querendo a morte ao vivo encenada.

                   A força da sentença era um mistério
                   da cor do pó erguido contra o vento.
                   Frustrado o povo afastou-se sério
                   dobrando e desdobrando o pensamento.

                  Rasgaram longas vestes no Sinédrio
                  clamaram pela Tora à dura porta:
                  que a morte tinha um nome era de pedra
                  que a vida essa teria de ser morta.

                                     Abel da Cunha

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

CAIS DE EMBARQUE



                                        Há quanto tempo andei a procurar
                                        Palavras de pureza adolescente!
                                        E disfarçadas hoje as fui achar
                                        Entre as figuras vivas do presente.


                                        Pude chamá-las pelos nomes idos:
                                        Areia, duna, mar, gaivota, barco, …
                                       (E muitos outros já quase esquecidos).
                                        Estão no cais a ver quando eu embarco.


                                        Que longo e triste muro! Abracei
                                        Essas imagens todas embarcando
                                        No mar engalanado… Ali fiquei
                                        À beira-mar com palmas acenando.


                                        Em letras de água então deixei no cais
                                        Versos de espuma, símbolos, sinais.


                                        Abel da Cunha

FERNANDO PAIXÃO - UM POETA PORTUGUÊS NO BRASIL

"PRIMEIRA POÉTICA PARA DEBATE"
Fernando Paixão 
Fernando Paixão, nascido em 1955, na aldeia portuguesa de Beselga, transferiu-se nos inícios de 1961 para o Brasil. Formou-se em jornalismo pela USP. Chegou a iniciar, mas interrompeu quase de imediato, o curso de Filosofia. Convertido à Arte Poética, defendeu tese na UNICAMP, com um estudo sobre a poesia de Mário de Sá Carneiro. De toda a sua bibliografia literária poderemos destacar em primeiro lugar o livro Rosa dos Tempos, de 1980, seguido de O que é Poesia, dentro da colecção Primeiros Passos, dois anos após. Mais tarde, em 1989, retornou com o lançamento de Fogo dos Rios, seguido de 25 Azulejos, em 1994. Em 1996, publicou o livro A Gente Inventa, dedicado às crianças. Tem o hábito de escrever artigos para jornais e revistas, sempre tratando de literatura ou temas afins. Há mais de vinte anos que exerce a função editorial, sendo responsável pelo sector de livros não-didácticos da Editora Ática.

«CINCO POEMAS PARA TEMPOS DIFÍCEIS»

           CATECISMO

Água benta para os olhos
Ícone de circuitos e tentáculos
Vaivém de saberes e cascalhos
Sagrados venais profanos

Agora somos cibernéticos
Nem gregos nem moicanos
Todos os dias oramos
Ave Maria à Internet

        GUERRA

Trovão das mortes
Clareia o carvão

CONDIÇÕES ATMOSFÉRICAS

Anoite permanece triste
No subúrbio.
Os animais humanizam os cartazes
De propaganda.
É de metal a passagem dos meses.

Pouco sabemos
Do tempo vindouro.

As névoas
Movimentam-se entre guindastes.

Tão indelicada
A chuva
Fora de hora…
FENDA

Já não repito
Os mesmos nítidos
Idos gestos

Entre lábios
Cresce orvalho
O novo travo.

Não sai o som da voz
Na manhã seguinte
Com igual exactidão:

Mudei
de mim?

Entre ontem e amanhã
minha face tem o rosto
- de quem?

POÉTICA 

Sem autoria e sem versos
a poesia será encontrada
na pedra no rosto
e na copa das árvores ensimesmada

sinal da sina
cor nos azulejos

o abraço das palavras
renova a presença das portas
e janelas de uma casa.

A poesia sim
se presta
à prosa da vida

invisível porcelana.
  
(Folha de São Paulo, Ilustríssima, 5.12.2010