sábado, 15 de fevereiro de 2014

A VOZ DO SILÊNCIO



                                “Aos faroleiros
                                 da Berlenga”

Vigilantes do fim ali plantados
Olhando a terra, olhando o mar além,
Voz do silêncio e alma redobrados
Na música do vento que vai e vem.

Passam as horas, dias renovados,
Há horizontes vistos por ninguém
Gaivotas gémeas, corvos desgastados,
E de noite o clarão luzindo bem.

O Jacinto me disse que as gaivotas
Largavam a sua voz naquela praia
Sondando a imensidão medindo as rotas
Brancas penas em asas de cambraia…

Toda a noite o silêncio uiva, o mar ecoa,
Na memória faroleira a navegar
Qual estranha loucura que ressoa.

Porto de abrigo, náufragos que foram,
Esperanças e promessas que demoram!


Frassino Machado
In RODA-VIVA POESIA


A VELHA DA CANTAREIRA



                            "A Raul Brandão,
                             Pensador do mar…”

Chegado pela tardinha do Alto-Nespereira,
Passou Raul de humor um pouco angustiado 
Naquele mar da Foz, bastante assoberbado,
Cujas ondas varriam toda a Cantareira.

Crestada pelo tempo, com gesto eriçado,
Indiferente à maré de inverno costumeira,
Olhou aquela velha que ia passageira
Vomitando impropérios contra o mar irado.

- Ai Tóino, Tóino, má raios partam o mar,
Ai home dum cabrão que foste no batel
Deixando-me sem pão e a saber a fel…

- Ai Tóino, Tóino – e a velha sempre a gritar –
Se este maldito mar com fúria te engoliu
Raios me levem esta sorte que me fugiu…

E o bom Raúl continuou meditabundo
Desfiando, um a um, os males deste mundo:

- Ai velha de uma cana, com filhos a rodos,
E aquele ingrato mar que os levou a todos!


Frassino Machado
In MUSA VIAJANTE


O INGÉNUO ESTADO SOCIAL



                             "Aos desprotegidos”

Esqueçam-se daqueles sonhos já passados
Da odisseia triunfal dos seres humanos;
Esqueçam-se daqueles combates já travados
E das vidas ceifadas pelos vis tiranos.

Esqueçam-se daqueles tristes desenganos
E dos princípios ancestrais estrangulados;
Esqueçam-se dos códigos vãos e mundanos
Que devastaram os corações desenraizados.

O sangue derramado nunca germinou
Pois os projectos se perderam na voragem
E na negra ambição do poder instituído…

Não foi a ideologia social que falhou
Muito menos a pura alma da mensagem
Mas apenas, e só, o homem pervertido.

O mal já vem de muito longe e como tal
Era uma vez o ingénuo “estado social”!


Frassino Machado
In JANELAS DA ALMA


terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

TUDO É POESIA


Tudo na Vida é poesia
Nem é preciso rimar
Co´ emoção e energia
É só mesmo versejar.

De palavras se faz rima
De versos se faz poema
Com sadia auto-estima
Não há lugar pra dilema.

Desta vida a circunstância
Dá o corpo ao manifesto
Não há tempo nem distância
Cada poema é um pretexto.

Minha letra tem mensagem
Tem dentro e fora também
Sou um romeiro em viagem
Com a alma em vai-e-vem.

Toda a gente que me lê
Fica sempre questionando
Este poeta, bem se vê,
Enfrenta a vida sonhando.

Mesmo na vida discreta
Há um sentido profundo
Para o sonho do poeta
Há todo o tempo do mundo.

Tem poesia e distinção
O que a Natureza contém
Com muito maior razão
Há no sonho maior bem.

Não há poeta sem evento
Nem mensagem sem ternura
Com o sonho há sempre tempo
Para uma nova aventura.

A música dos meus versos
Tem um toque de harmonia
Andam livres e dispersos
Como as horas do meu dia.

Ó musa da minha Lira,
Quero que cantes, enfim,
Que à Poesia ninguém tira
Os versos que saem de mim!

Frassino Machado
In ODISSEIA DA ALMA

LEITOR EQUIVOCADO


                                  “Réplica a um certo leitor”

“Ó Praxe, bendita Praxe,
Praxe da minha paixão
És para mim um relaxe
Dona do meu coração!”

Esta quadra que versejei
E só depois desenvolvi
A um leitor, pelo que sei,
A sua mente surpreendi.

Fez-se um leitor equivocado
Fazendo grande confusão
Entendeu conteúdo errado
E deu-lhe outra interpretação.

Esta trova que eu compus
Nada tem de reaccionária
É um poema cheio de luz
Acerca da praxe usuária.

Não há conteúdo a esconder
E muito menos embrulhado
Mas há um fenómeno a reter:
Há sempre quem leia apressado.

Onde é que está a nostalgia
Que o mesmo leitor suspeitou?
Quem é que não tem alergia
Ao velho tempo que passou?

O tema é muito delicado,
De uma humana sensibilidade,
Mas nunca estará mascarado
Pois é uma pura realidade!

Há quem no olho do vizinho
Veja sempre mísero argueiro
E põe a vida em desalinho
Com miopia de fraco olheiro!

Frassino Machado
In ODIRONIAS


domingo, 2 de fevereiro de 2014

TROVAS DA PRAXE ARDENTE



Ó Praxe, bendita Praxe,
Praxe da minha paixão
És para mim um relaxe
Dona do meu coração.

Todos te odeiam, é certo,
Se o dizem logo te invejam
Andam longe mas estão perto
Pois, no fundo, te desejam.

Hoje não vou à lição
Que para mim é um açoite
Pra preparar a sessão
Não durmo nada de noite.

Há duas semanas a fio
Eu estou a preparar-te
Para mim é um desafio
O integrar-me com arte.

Eu bem sei que sou caloira
E caloiro tu és também
Antes numa manjedoira
Do que nas saias da mãe.

Para ser bom estudante
Com saudável estatuto
Há que dar nome sonante
A este nosso Instituto.

Há muitas praxes por aí
Todas elas têm valor
A nossa pelo que ouvi
É de todas a maior.

Somos amigos, colegas,
Nada haverá que temer
De peito aberto às refregas
Temos genica e prazer. 

Nada há de humilhação
Neste jogo tão sincero
Mas há, sim, superação
Para qualquer destempero.

Se houver riscos, certamente
Não há nada que espantar
Está na hora de ser gente
Aprendendo a triunfar.

Sois caloiros, nós veteranos,
Ninguém pense em disparate
Temos disto muitos anos
Num currículo de combate.

Esta vida estudantil
Não pode ser catavento
Precisa de ser viril
Com praxes d´ imolamento.

Juntemos aos rituais
O útil e o agradável
No campus ou nos quintais
Serás sempre responsável.

Haver praxe é tradição
Ninguém pode contrapor
Nunca falta animação
E há espectáculo de primor.

Reforcemos nossa história
Com ousadas emoções
Faz justiça com memória
E enriquece as gerações.

Com um tal arrazoado
De um ilustre condutor
Há prestígio assegurado
Para o Ensino Superior.

Ó Praxe, bendita Praxe,
Praxe da minha paixão
És para mim um relaxe
Dona do meu coração!

Frassino Machado
In RODA-VIVA POESIA

https://facebook.com/tertulia-poetica-ao-encontro-de-bocage/129017903900018