quinta-feira, 28 de junho de 2012

A RAÚL BRANDÃO


HOMENAGEM DO POETA ABEL DA CUNHA

Raúl Brandão – Pintura de Columbano

                         "Compreendi que a ternura
                           é o melhor da vida.
                           O resto não vale nada."
                           in O Silêncio e o Lume

 

Persiste na memória a sombra clara
de um vulto antigo bem familiar
a remoer um sonho uma palavra
que transformava em arte ao pé do lar.

Ia do Alto à Beira num instante
pelos atalhos que encurtavam passos.
Abria-se o portal e o bom gigante
alçava a pequenina nos seus braços.

Não te encontrei. De minha mãe ouvi
que sempre transbordavas de ternura
como a água do mar na Cantareira.

Depois mais tarde lendo percebi
no silêncio e no lume da escritura
que um génio errante andou por Nespereira.

Abel da Cunha
Casa da Beira, Junho de 2012


segunda-feira, 25 de junho de 2012

ORVALHADAS DE SÃO JOÃO


6 da manhã – Domingo – 24 de Junho

   Num domingueiro Dia de São João
   Ainda antes do nascer do sol
   Ouvindo o belo canto do rouxinol
   Fui passear para lá da povoação.

   Branda aragem e ténues orvalhadas
   Molhavam meus cabelos de cetim
   E ao longe, como um toque de clarim,
   Soavam na alva torre as badaladas.

   As maleitas do corpo há que curar
   Em cuidadosa e atenta prevenção
   E com elas a alma e o coração.

   Cumprindo este passeio fiz lembrar
   Da minha juventude a tradição
   Em manhãzinha calma de São João.

   Frassino Machado
   In JANELAS DA ALMA

   N. B. Ver também os Sites:

domingo, 24 de junho de 2012

LIÇÃO DE ANATOMIA, de Rembrant



A Lição de Anatomia do Dr. Tulp (1632)

Sonhei um poema por analogia
bem explicado onde coubesse tudo.
Media os pés e definia o modo
de ver a natureza onde me via.

Com duros diamantes escrevia
firmando traços, removendo o estorvo;
das pedras frias retirava o fogo
tocando lira enquanto o mundo ardia.

Num claro escuro o outro eu e mais
lançavam entre si olhares mortais
sobre o real numa comédia d'arte.

Só não se viam pombas nas alturas
que o seu domínio é das ideias puras
e a sua claridade é sem contraste.


Abel da Cunha

                                               N. B. Ver Blog do autor, em:

                                              www.abelmachadocunha.blogspot.pt

quarta-feira, 20 de junho de 2012

YESTERDAY



A Paul McCartney
Liverpool, 18 de Junho de 1942

      Parece que foi ontem. E setenta
      É a tua idade. Como passa o tempo!
      Os dias são canções. Como lamento
      As cordas que se partem na tormenta!

      Perfeita é a arte que sustenta
      O peso das paixões. O sentimento
      É um rio turvo, apressado ou lento,
      Que faz o seu percurso em margem estreita.

      São quatro os besouros de uma vida
      Batida aos quatro ventos da alegria
      Numa febre de ritmos e de cor.

      Alguns chegaram já ao grande mar.
      Mas tu ainda hoje vais cantar
      Uma nova canção de paz e amor.


Abel da Cunha

N. B. Ver o Site do autor em:

http://abelmachadocunha.blogspot.pt

terça-feira, 19 de junho de 2012

A VINGANÇA DE CRISTIANO


A VINGANÇA DE CRISTIANO

                                                                       Holanda, 1 X Portugal, 2

Como rajada de vento
Reavivando o sonho ufano
Surgiu forte de sotavento
A vingança de Cristiano.

                                               Furacão de cor laranja
Em mecânico contratempo
Pôs a nossa alma em franja
Como rajada de vento.

Se o destino marca a hora
Matando qualquer tirano
Foi-se a magia embora
Reavivando o sonho ufano.

O Príncipe adormecido
Acordou neste momento
Não se dando por vencido
Surgiu forte de sotavento.

Com dois toques de magia
Reavivando o lusitano
Impôs justiça e acalmia
A vingança de Cristiano.

Frassino Machado
In RODA VIVA

N. B. Ver, por favor, os Sites:
https://facebook.com/pages/tertulia-poetica-ao-encontro-de-bocage/129017903900018

segunda-feira, 18 de junho de 2012

ACRÓSTICO DA SAUDADE



        ELVIRA DE CAMPOS MACHADO

                 (Minha mãe, que partiu
                  aos meus oito anos)

             Elvira, suave é o teu nome,
             Lindo, puro e tão musical,
             Vem saciar a minha fome
              Infinita e sobrenatural,
             Rosa de fogo e de verdade
             Amor que brota eternidade.

             Dentro deste meu coração
             Envolvido em plena emoção,

             Campos de infinito horizonte
             Abertos no anilado céu
             Mar límpido da minha fronte
             Pensamento amplo sem labéu.
             Olhos teus de safira e luar
             Saudade imensa a palpitar.

             Meigo que era o teu coração,
             Antes mesmo do sol brilhar
             Como era belo o teu cantar!
             Hoje, qual pura recordação
             Abrindo-me a vida sorrindo,
             Dou comigo sempre fruindo
             O esplendor da tua visão!


             Frassino Machado
             In CANÇÃO DA TERRA
             N. B. Ver, por favor, os Sites:


domingo, 10 de junho de 2012

APELO A CAMÕES


APELO A CAMÕES

No dia do Portugal, 0 x Alemanha, 1

Ó admirável poeta que nasceste
Nesta Pátria de eventos mais de mil
Na qual foste o maior, mesmo servil,
E onde, apesar de tudo, tu venceste.

Entre aventuras árduas que passaste
Num país turbulento e muito hostil,
Deste prova cabal e senhoril
Em garbosas lições que nos deixaste.

Pelo digno apelidoTrinca Fortes
Possamos conquistar mil e uma sortes
De forma que obtenhamos resultados.

Que os “Velhos do Restelo” se acabem
Unindo a sua voz aos que já sabem
Que ao ter louros seremos respeitados!

Frassino Machado
In MUSA VIAJANTE

N. B. Ver os seguintes Sites:


CONFISSÃO DE FILINTO (A propósito de Bocage)

                                                  Filinto Elísio (1734-1819)



A  BOCAGE


Lendo os teus versos, numeroso Elmano,
E o não-vulgar conceito e a feliz frase,
Disse entre mim: "Depõe, Filinto, a lira,
Já velha, já cansada;

Que este mancebo vem tomar-te os louros
Ganhados com teu canto na áurea quadra
Em que ao bom Córidon, a Elpino, a Alfeno
Aplaudia Ulisseia."

Rouca hoje e sem alento a minha Clio
Não troa sons altivos, arrojados:
Vai pedestre soltando em frouxo metro
Desleixadas cantigas.

Desceu Apolo e o coro das Donzelas
À morada de Elmano; e esse que, outrora,
Canto nos dava nome, o pôs na boca
De novo amado cisne.

Filinto Elíseo

terça-feira, 5 de junho de 2012

UMA CHÁVENA DE ILUSÃO


      
                         

           Portugal, 1 X Turquia, 3


Em toda e qualquer transacção 
Numa certa medida impera
Uma chávena de ilusão
Com sua face de quimera.

Em bons negócios tentadores
E sem nada de protecção
Agitam-se os consumidores
Em toda e qualquer transacção.

Em cada dia se constata
Uma famigerada espera
Ora mingua, ora dilata, 
E em certa medida impera. 

No desporto como na vida
Quer a solo ou em multidão
Há uma vaidade enriquecida
Numa chávena de ilusão.

Não adianta fazer alarde
Com ídolo que se venera
Revelar-se-á cedo ou tarde
Com sua face de quimera.

Em Catedral de canapé
Tomando angustiado chá
Gira a bola de pé em pé
Buscando o Graal que não há.

Escuta, ó diva Selecção,
Não voltes a ser cata-vento
Troca esse chá de presunção
E põe cá fora o teu talento!

Frassino Machado
             In RODA VIVA 


Ver Site CANTO DE FRASSINO em:


www.frassinomachado.net                

sábado, 2 de junho de 2012

SEMPRE CRIANÇA


                                                                              
                                                                                     
                                                                          
Nasceste criança
Num berço encantado
Sorriste em bonança
Por teres alcançado
Teu sonho dourado
Em ruim contradança.

Cresceste saudável
Nos braços da sorte
História agradável
Voltada p’ ro norte
Não vás em desnorte
Para seres notável.

Na tua aventura
Em busca do pão
Exige fartura
Àqueles que to dão
Em prol da razão
E da mãe Cultura.

Não esqueças porém
De quem não tem mesa
Precisam também
De alguma riqueza
E nesta certeza
Terás sempre o bem.

Aqui nesta terra
Nada há que se veja
Mas se o mal impera
Em quem não deseja
Não tenhas inveja
E afasta essa guerra.

Pela tua andança
Nunca te admires
Da falta de ‘sprança
E paz p’ ra fruíres.
Tu, meu arco-íris,
És sempre criança!

Frassino Machado
In JANELAS DA ALMA

N. B. Ver também, por favor, os Sites:
https://facebook.com/pages/tertulia-poetica-ao-encontro-de-bocage/129017903900018

ABEL DA CUNHA - Poeta Vimaranense


ABEL DA CUNHA – Poeta vimaranense

Nota biográfica -

Abel Machado da Cunha é natural de Guimarães, Portugal, onde nasceu em 1940. 
É licenciado em Filosofia, pela Universidade do Porto, e diplomado em Música, pela Yamaha Music Foundation. Foi professor de Psicossociologia e Pedagogia na ETSSP do Porto e director pedagógico no âmbito das actividades musicais da YMF em Portugal. Nesta última condição foi director e redactor da revista de animação cultural Notas de Música.
Durante um certo tempo, dedicou-se à crítica literária em revistas portuguesas e no jornal A Voz. De referir alguns artigos sobre Raul Brandão e sobre o teatro de João Pedro de Andrade.
As influências poéticas principais derivam sobretudo da poesia francesa dos fins do século XIX, principalmente do Simbolismo, e da poesia espanhola do modernismo. Importante foi o estudo da cultura clássica greco-latina e medieval, o conhecimento dos Trovadores portugueses, desde D. Dinis, e da grande tradição da poesia portuguesa. Dos nossos poetas modernos importa referir todo o compêndio da obra de Fernando Pessoa. 


ALGUNS POEMAS

ENIGMA

Folha de papel. Um corpo nu e virgem.
Estendido tentador que se oferece
Nas areias brancas. Nela se descrevem
Todas as palavras para ver-lhe a face.

Uma dura esfinge cálida aparece.
É um alto enigma. Mostra a sua imagem.
Cada viandante passa ao lado e tece
O sentido das palavras na viagem.

Folha de papel. Hieróglifos fatais
Desenhados no deserto pelo vento.
As palavras da esfinge ficarão

Pelo tempo repetidas aos mortais.
Quantos pés tens tu movendo o pensamento?
Serão quatro ou dois ou três? Quantos serão?

Abel da Cunha

*

DANÇA DAS HORAS

As horas num vaivém em contratempo
O mesmo ciclo dançam noite e dia;
Os pés rebatem ritmos de folia
Enquanto valsa lento o pensamento.

A vida, João de Deus, é uma nuvem
Que voa alto e ninguém alcança;
Levamos pela mão uma criança
Sempre a sorrir aos sonhos que lhe fogem.

Quantas canções de esperança entoei!
Quantos momentos foram adornados
De engano e fantasia! E sonhei...

Da vida tenho inteira consciência.
Mas do bem e do mal e dos meus fados
Que falem outros sobre a minha ausência.

                                     Abel da Cunha
*

ÀS VEZES

Ao poeta Frassino Machado
 
Às vezes entre os versos nascem flores:
violetas, lírios, cravos, açucenas,...
Esqueço pressuroso as duras penas
que a vida é festa cheia de fulgores.

Doce espumante of'reço aos meus amores
em brindes de memórias muito breves
enquanto o vinho em altas taças leves
intenso e puro ferve as suas cores.

Que ricas são as rimas nesses dias!
Num cofre guardo as raras fantasias
cativas pela arte imaginada.

Colhendo as flores ficam sombras frias
a refletir as pétalas tardias
que teimam a boiar à tona da água.

                               Abel da Cunha

*

AO PORTUGAL DESCONHECIDO
  
                       Ao Ricardo de Saavedra


Em Guimarães podia ler o berço
de Portugal escrito nas muralhas.
Cumpriu mil sonhos. Foram maravilhas
dum heroísmo que já não conheço.

A vida do seu povo teve um preço
que resgatou em sangue nas batalhas.
Mas hoje só navega em barcas velhas
sem força de revolta ou recomeço.

A capital do reino foi Lisboa.
Camões morreu. Morreu também Pessoa.
A língua portuguesa era uma vez...

De meio mundo herdado em Tordesilhas
apenas resta um prato de lentilhas.
E o nosso rei agora fala inglês.

                                     Abel da Cunha

***

N. B.  Ver também o Site do autor: