ABEL
DA CUNHA – Poeta vimaranense
Nota biográfica -
Abel Machado da Cunha
é natural de Guimarães, Portugal, onde nasceu em 1940.
É licenciado em
Filosofia, pela Universidade do Porto, e diplomado em Música, pela Yamaha Music
Foundation. Foi professor de Psicossociologia e Pedagogia na ETSSP do Porto e
director pedagógico no âmbito das actividades musicais da YMF em Portugal.
Nesta última condição foi director e redactor da revista de animação cultural
Notas de Música.
Durante um certo
tempo, dedicou-se à crítica literária em revistas portuguesas e no jornal A
Voz. De referir alguns artigos sobre Raul Brandão e sobre o teatro de João
Pedro de Andrade.
As influências
poéticas principais derivam sobretudo da poesia francesa dos fins do século
XIX, principalmente do Simbolismo, e da poesia espanhola do modernismo.
Importante foi o estudo da cultura clássica greco-latina e medieval, o
conhecimento dos Trovadores portugueses, desde D. Dinis, e da grande tradição
da poesia portuguesa. Dos nossos poetas modernos importa referir todo o
compêndio da obra de Fernando Pessoa.
ALGUNS POEMAS
ENIGMA
Folha de papel. Um corpo nu e virgem.
Estendido tentador que se oferece
Nas areias brancas. Nela se descrevem
Todas as palavras para ver-lhe a face.
Uma dura esfinge cálida aparece.
É um alto enigma. Mostra a sua imagem.
Cada viandante passa ao lado e tece
O sentido das palavras na viagem.
Folha de papel. Hieróglifos fatais
Desenhados no deserto pelo vento.
As palavras da esfinge ficarão
Pelo tempo repetidas aos mortais.
Quantos pés tens tu movendo o pensamento?
Serão quatro ou dois ou três? Quantos serão?
Abel da Cunha
*
DANÇA DAS HORAS
As
horas num vaivém em contratempo
O mesmo ciclo dançam noite e dia;
Os pés rebatem ritmos de folia
Enquanto valsa lento o pensamento.
A vida, João de Deus, é uma nuvem
Que voa alto e ninguém alcança;
Levamos pela mão uma criança
Sempre a sorrir aos sonhos que lhe fogem.
Quantas canções de esperança entoei!
Quantos momentos foram adornados
De engano e fantasia! E sonhei...
Da vida tenho inteira consciência.
Mas do bem e do mal e dos meus fados
Que falem outros sobre a minha ausência.
Abel
da Cunha
*
ÀS VEZES
Ao poeta Frassino
Machado
Às vezes entre os versos nascem flores:
violetas, lírios, cravos, açucenas,...
Esqueço pressuroso as duras penas
que a vida é festa cheia de fulgores.
Doce espumante of'reço aos meus amores
em brindes de memórias muito breves
enquanto o vinho em altas taças leves
intenso e puro ferve as suas cores.
Que ricas são as rimas nesses dias!
Num cofre guardo as raras fantasias
cativas pela arte imaginada.
Colhendo as flores ficam sombras frias
a refletir as pétalas tardias
que teimam a boiar à tona da água.
Abel da Cunha
*
AO PORTUGAL DESCONHECIDO
Ao Ricardo de Saavedra
Em Guimarães podia ler o berço
de Portugal escrito nas muralhas.
Cumpriu mil sonhos. Foram maravilhas
dum heroísmo que já não conheço.
A vida do seu povo teve um preço
que resgatou em sangue nas batalhas.
Mas hoje só navega em barcas velhas
sem força de revolta ou recomeço.
A capital do reino foi Lisboa.
Camões morreu. Morreu também Pessoa.
A língua portuguesa era uma
vez...
De meio mundo herdado em Tordesilhas
apenas resta um prato de lentilhas.
E o nosso rei agora fala inglês.
Abel da
Cunha
***
N.
B. Ver também o Site do autor: