quinta-feira, 27 de outubro de 2011

FERNANDO PAIXÃO - UM POETA PORTUGUÊS NO BRASIL

"PRIMEIRA POÉTICA PARA DEBATE"
Fernando Paixão 
Fernando Paixão, nascido em 1955, na aldeia portuguesa de Beselga, transferiu-se nos inícios de 1961 para o Brasil. Formou-se em jornalismo pela USP. Chegou a iniciar, mas interrompeu quase de imediato, o curso de Filosofia. Convertido à Arte Poética, defendeu tese na UNICAMP, com um estudo sobre a poesia de Mário de Sá Carneiro. De toda a sua bibliografia literária poderemos destacar em primeiro lugar o livro Rosa dos Tempos, de 1980, seguido de O que é Poesia, dentro da colecção Primeiros Passos, dois anos após. Mais tarde, em 1989, retornou com o lançamento de Fogo dos Rios, seguido de 25 Azulejos, em 1994. Em 1996, publicou o livro A Gente Inventa, dedicado às crianças. Tem o hábito de escrever artigos para jornais e revistas, sempre tratando de literatura ou temas afins. Há mais de vinte anos que exerce a função editorial, sendo responsável pelo sector de livros não-didácticos da Editora Ática.

«CINCO POEMAS PARA TEMPOS DIFÍCEIS»

           CATECISMO

Água benta para os olhos
Ícone de circuitos e tentáculos
Vaivém de saberes e cascalhos
Sagrados venais profanos

Agora somos cibernéticos
Nem gregos nem moicanos
Todos os dias oramos
Ave Maria à Internet

        GUERRA

Trovão das mortes
Clareia o carvão

CONDIÇÕES ATMOSFÉRICAS

Anoite permanece triste
No subúrbio.
Os animais humanizam os cartazes
De propaganda.
É de metal a passagem dos meses.

Pouco sabemos
Do tempo vindouro.

As névoas
Movimentam-se entre guindastes.

Tão indelicada
A chuva
Fora de hora…
FENDA

Já não repito
Os mesmos nítidos
Idos gestos

Entre lábios
Cresce orvalho
O novo travo.

Não sai o som da voz
Na manhã seguinte
Com igual exactidão:

Mudei
de mim?

Entre ontem e amanhã
minha face tem o rosto
- de quem?

POÉTICA 

Sem autoria e sem versos
a poesia será encontrada
na pedra no rosto
e na copa das árvores ensimesmada

sinal da sina
cor nos azulejos

o abraço das palavras
renova a presença das portas
e janelas de uma casa.

A poesia sim
se presta
à prosa da vida

invisível porcelana.
  
(Folha de São Paulo, Ilustríssima, 5.12.2010

1 comentário:

Frassino Machado disse...

Está dado o primeiro passo para a comunicação dialogal com o poeta Fernando Paixão, nosso conterrâneo no Brasil. A diáspora por ele encetada nos anos sessenta serviu porventura para o reforço da sua sensibilidade literária. Debrucemo-nos atentamente no cerne da sua poética descobrindo nela a marca indelével da sua atualidade. Frassino